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terça-feira, 13 de setembro de 2011

Como surge a linguagem?

Muitos filósofos vem discutindo essa questão. Desde o começo da filosofia, em Platão1, e no começo da cristandade, em Santo Agostinho2, em Atenas e Hipona, através das Formas e de Deus. Fiquemos com o segundo – Agostinho, afinal, é quem Wittgenstein, filósofo contemporâneo, escolheu para começar sua obra, postumamente publicada na década de 1950, Investigações filosóficas. E esse começo se dá justamente por uma explicação sobre a linguagem. Vejamos.

Para Agostinho a linguagem é ensinada através de um processo muito simples e quase que intuitivo, o processo da denominação. Uma criança que nada sabe tem nos sons emitidos pela boca de seus pais e no objeto que é apontado-lhe pelos dedos a primeira lição. “Pedra”, diz a boca, e o dedo aponta. “Oliveira”, “riacho”, “livro”, “raposa” e assim por diante. Não é necessário que se saiba algo anteriormente, para que se entenda que o som “pássaro” signifique o animal “pássaro” – observa-se os que falam, cuida-se para capturar o objeto que é denominado pelo som e “tchãram!” eis o aprendizado da linguagem.

O Wittgenstein das Investigações – ou o sengundo Wittgenstein – não concorda3. Esse filósofo sustenta que uma linguagem é aprendida em um jogo de linguagem. E por isso, nada mais quer dizer que o costumeiro processo com o qual as crianças aprendem sua língua materna, isto é, não através da denominação – do apontar isso ou aquilo –, mas através de um contexto determinado onde as palavras empregadas fazem sentido. Através da utilização do peito, da mamadeira, do berço, do carrinho de passear, da roupa, do choro etc. uma criança aprende o que há para ser aprendido. Em outras palavras, é no uso que se aprende o significado das palavras. Ao contrário de Agostinho, para Wittgenstein não é necessário que uma palavra “signifique” algo, em um primeiro momento. O uso é bastante para que se estabeleça a linguagem. Um bebê sabe o que é um pipo, um peito e uma mamadeira somente pelo fato de que faz uso deles, os utiliza. A necessidade de conceituar um ou outro, para Wittgenstein, surge somente quando começa-se a tomar um pelo outro. Assim, para que eu entenda que o pipo é diferente do peito – porque ambos foram feitos para serem muito similares: mesmo formato, mesma textura! – é que eu passo a conceituá-lo e a traçar-lhe as características distinguidoras. Antes disso não faz sentido falar em significado. E quando o bebê começa a fazer as distinções, a conceituar afinal, ele já domina uma série de outros vocabulários provindos de sua utilização de outros objetos – sendo por isso que se torna capaz de conceituar o pipo em contraposição ao peito agora.

As duas explicações são bem convincentes. A primeira é – como dito – bem mais intuitiva. Afinal é como sempre ouvimos falar que a liguagem se transmite. Porém, em uma segunda olhada, fica difícil entender como uma criança entende um significado fora de um contexto, pelo simples fato de ouvir um som e ver um dedo apontando. Sem um prévio vocabulário fica quase inconcebível tal proeza – ponto para Wittgenstein. No entanto, é complicadíssimo conceber que primeiro se domine um vocabulário para só depois enteder-se um conceito. Sempre surge a questão – cuja tutora, através da história, foi a Metafísica – e o primeiro conceito, surge de onde? Se há um vocabulário precedente, há de se perguntar quando começa esse vocabulário. Questões nada fáceis de se resolver.

Agostinho ou Wittgenstein? Ou aporia?


Notas

1vide por exemplo o Teeteto de Platão.

2vide suas Confissões.

3Antes, porém, um esclarecimento: se há um Wittgenstein de um livro é porque há um Wittgenstein de outro livro. Bom, o das Investigações é o que a recente historiografia da filosofia costuma chamar de segundo Wittgenstein, em contraposição ao primeiro, autor de um livro chamado Tractactus Logicus Philosophicus – diz-se que um e outro diferenciam-se em decorrencia de adotarem posições divergentes em pontos bem relevantes. Uma curiosidade é que o próprio Wittgenstein, aqui e ali nas Investigações, refere-se a si próprio como sendo “o do Tractatus” - que evidencia mais a divergência teórica entre o primeiro e o segundo.