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domingo, 1 de fevereiro de 2015

Richard Rorty dá aula de sobriedade*


**Bernardo Carvalho

Terminou ontem, com a palestra do alemão Peter Sloterdijk, o ciclo Banco Nacional de Idéias, que tinha como tema "O Relativismo Enquanto Visão do Mundo".
 
O americano Richard Rorty, autor de "A Filosofia e o Espelho da Natureza" e um dos principais representantes do neopragmatismo nos EUA, destacou-se na noite de quinta-feira, não só pela clareza com que apresentou suas posições como pela aula de sobriedade e falta de afetação.

Rorty optou por uma forma direta que José Arthur Giannotti (USP), um dos debatedores da noite, classificou de "para o grande público", uma forma que estaria, segundo ele, passando por cima das questões mais técnicas.

Dentro do formato escolhido pelo ciclo (da palestra como espetáculo) e tendo em vista a maioria da platéia (os palestrantes não estavam falando para si mesmos e seus pares de departamento), não poderia haver opção mais adequada.

Isso não quer dizer que as teses de Rorty, um defensor do relativismo – ou, como ele prefere, do antidualismo e do antifundacionismo – não sejam passíveis de questionamento.
 
O próprio Giannotti, contrário ao ponto de vista do professor americano, chegou a levantar pontos bastante relevantes e conflitos dentro do discurso de Rorty, sem no entanto insistir neles. "O show hoje é do professor Rorty", disse.

O texto que Rorty preparou e leu, "Finding and Making" (descobrir e fazer), deixou clara a posição de neopragmatistas como ele, que tentam se livrar do vocabulário e das idéias platônicas e da metafísica. Tentam se libertar de distinções como realidade e aparência, objetividade e subjetividade etc.

Rorty propõe substituir as distinções entre o que é inventado ou descoberto, o que é falso ou verdadeiro, pelo que é mais útil ou menos útil na tentativa de servir a problemas e propósitos transitórios (históricos) com o objetivo de uma vida melhor, da felicidade (mais prazer e menos sofrimento) dos homens em sociedade.

"A questão não é mais se a mente humana está em contato com a realidade. A questão é qual o propósito de tal crença. Todas as partes da cultura (ciência, filosofia, literatura etc.) são instrumentos para fazer a vida melhor. As palavras e a linguagem são usadas para nossos interesses e necessidades. As distinções não fazem sentido", disse Rorty.

Giannotti questionou a idéia de se abolir a referencialidade da linguagem (perguntou se uma nova linguagem antiplatônica também não imporia seus objetos) e esse critério de utilidade no confronto com a história e a teoria nietzschiana.

* Texto originalmente publicado no Jornal Folha de São Paulo, no Caderno Ilustrada, em 21 de maio de 1994. Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/5/21/ilustrada/10.html>. Acesso em 01/02/2015, 19:22.

** Bernardo Carvalho é reporter especial da Folha

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